16.8.08
Poema com sabor a Mar
Poema da malta das naus
Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do sol.
Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
Pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.
Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das praias,
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.
Chamusquei o pêlo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me as gengivas,
apodreci de escorbuto.
Com a mão direita benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.
Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.
Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.
Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
Do sonho, esse, fui eu.
O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal
António Gedeão
15.7.08
Irene Vilar revive
Por detrás daquela calma professora do Clara de Resende havia muito mais do que eu sabia com os meus poucos catorze anos, mas bem se via, que havia. Partiu aos 14 Maio 2008 com 77, mas fica cá bem representada, naquela curva da Cantareira, onde muitos como eu com a sua vida se podem cruzar, talvez apontar, e dizer que aquilo é dela, da Irene Vilar.
Foto e texto de Paulo Loureiro
Ex aluno de Irene Vilar
Etiquetas: Anjo, Escultura, Obra
11.7.08
Escultora Irene Vilar - Em jeito de Homenagem
Além da escultura, a artista singrou em áreas como a medalhística e deu aulas durante vários anos no Porto.
Faleceu a 14 de Maio de 2008, a escultora Irene Vilar, no Hospital de São João, no Porto. A artista morreu aos 77 anos, vítima de doença prolongada.
Nasceu a 11 de Dezembro de 1930, em Matosinhos. Apesar de ter trabalhado em diferentes áreas foi à escultura que Irene Vilar dedicou grande parte da sua vida. Nos estudos enveredou, desde cedo, por esta arte. Licenciou-se na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e obteve 20 valores na sua tese de escultura, tendo sido discípula de Barata Feyo e Dórdio Gomes.
Foi bolseira do Instituto de Alta Cultura e da Fundação Calouste Gulbenkian, no estrangeiro.
Irene Vilar nunca viveu exclusivamente da escultura, mas deixa um espólio que a escultora Ana Maria Martins considera ter um “grande conteúdo contemporâneo" e “alguma modernidade", tendo em conta as diferentes épocas.
Portugal vivia sob o regime salazarista quando Irene Vilar, mulher e artista, foi ganhando espaço e reconhecimento no mundo das artes. “Além da notória qualidade, é de uma família com um certo envolvimento e vivia numa zona privilegiada de relacionamentos" o que, segundo Ana Maria Martins, foram os principais atributos para o sucesso que a escultora depressa adquiriu.
Terminados os estudos, em 1958, Irene Vilar dedicou-se ao ensino e começou por dar aulas na Escola Secundária Clara de Resende, no Porto. Aos 36 anos assume a direcção da Escola Industrial Aurélia de Sousa, também no Porto, até 1974.
“Humana" e “simples" são as qualidades atribuídas à escultora por Lucília Manaú. A ex-funcionária da Escola Industrial Aurélia de Sousa trabalhou com Irene Vilar durante oito anos e foi sua secretária. A artista viveu no seio de uma família conservadora e era uma pessoa “disciplinada" e “ligada à religião", acrescentou.
“Era muito amiga de Marcelo Caetano e chegou a fazer o cunho das medalhas para todos os membros do regime".
Com o 25 de Abril retirou-se do cargo, depois de ter sofrido pressões internas, contou Lucília Manaú ao JPN. “Algumas pessoas achavam que ela era muito nova quando tomou conta da direcção e, além disso, começaram a difamá-la pela sua amizade a Marcelo Caetano", disse.
Apesar do sucedido, Irene Vilar não abandonou a docência e voltou para a Escola Secundária Clara de Resende, onde deu aulas até 1987, ano em que se aposentou.
Ao longo de vários anos, a escultora participou em diversas exposições e ganhou vários prémios.
As obras de escultura e medalhística de Irene Vilar estiveram presentes nas exposições "Cristo fonte de esperança" (Porto), "Morte e Transfiguração" (Sociedade Nacional de Belas Artes - SNBA, Lisboa), "Natividade 2000" (Mosteiro dos Jerónimos) e "100 anos - 100 artistas" (SNBA, Lisboa).
Em Portugal, o seu espólio encontra-se espalhado pela Secretaria de Estado da Cultura, Museu Amadeo Souza-Cardoso, Biblioteca-Museu de Vila Franca de Xira, Museu Nacional de Soares dos Reis, no Porto, Museu do Chiado, em Lisboa, Património Artístico de Matosinhos, entre outros.
15.6.08
Feliz Aniversário Meu Filho
Para o Leandro:
-Mãe, gostas de mim?
-Gosto de ti até ao céu, meu filho.
-Mãe se eu tivesse estado na tua barriga, gostavas mais de mim?
-Não, meu filho, porque haveria de gostar? Tu estiveste dentro de mim, no meu pensamento e no meu coração.
O meu desejo de te ter, de te pegar, de ver o teu rosto era tão grande como uma barriga de grávida.
Excerto do livro Grávida no Coração,de Paula Pinto da Silva, Ed. Campo das Letras
Etiquetas: Aniversário
10.6.08
Maria Keil
Maria Keil nasceu em Silves no dia 9 de Agosto de 1914.
Frequentou o curso de Pintura da Escola de Belas Artes de Lisboa, onde foi aluna de Veloso Salgado.
Em 1933 casou com o arquitecto Francisco Keil do Amaral.
Tem uma obra vasta e multifacetada: pintura, sobretudo retratos; publicidade; tentativas de renovação da talha em madeira para móveis e desenho de móveis; decoração de interiores; cartões para tapeçarias (Hotel Estoril Sol, TAP de Nova Iorque, Copenhaga, Madrid, Casino Estoril, etc.); pinturas murais a fresco; cenários e figurinos para bailados; selos; azulejos (Metropolitano de Lisboa, Av. Infante Santo, TAP de Paris e Nova Iorque, União Eléctrica Portuguesa, Casino de Vilamoura, Aeroporto de Luanda, etc.); e ilustração.
Neste campo tem ilustrado numerosas obras, nomeadamente livros para crianças: A noite de Natal, de Sophia de Mello Breyner Andresen; O cantar da Tila, As botas de meu pai, O cavaleiro sem espada, História de um rapaz, Joana Ana, O palhaço verde e Segredos e brinquedos, todos de Matilde Rosa Araújo; Histórias da minha casa, Histórias da minha rua e Histórias de pretos e brancos, de Maria Cecília Correia; O livro de Marianinha, de Aquilino Ribeiro; A Primavera é o tempo a crescer, O Outono é o tempo a envelhecer, O Verão é o tempo grande, O Inverno é o tempo já velho, de Maria Isabel César Anjo; A abelha Zulmira, de Teresa Balté; O lago dos cisnes e A banhoca da baleia, de Alexandre Honrado; Lote 12 2.º frente, de Alice Vieira; e Do lado de cá das fadas, de Graça Vilhena.
Ilustrou outras obras entre elas: Começa uma vida, de Irene Lisboa; Páscoa feliz, de José Rodrigues Miguéis; Ode (quase) marítima, de Augusto Abelaira; Retta ou os ciúmes da morte, de Ilse Losa; Folhas caídas, de Almeida Garrett; Contos tradicionais portugueses; O livro das mil e uma noites; Romanceiro geral do povo português; Metade comédia metade drama, de Francisco Keil do Amaral. Fez desenhos para as colectâneas sobre Bernardim Ribeiro, Castro Alves, Olavo Bilac e Tomás António Gonzaga, integradas na colecção As mais belas poesias da língua portuguesa.
Escreveu e ilustrou três livros para crianças e dois para adultos: O pau-de-fileira, Os presentes e As três maçãs; Árvores de domingo e Anjos do mal.
Fez também ilustrações para revistas, nomeadamente Panorama, Seara Nova, Vértice, Ver e crer e Eva.
As suas obras têm sido vistas em exposições, individuais e colectivas.
Interessante vídeo actual sobre Maria Keil (Público)
Frequentou o curso de Pintura da Escola de Belas Artes de Lisboa, onde foi aluna de Veloso Salgado.
Em 1933 casou com o arquitecto Francisco Keil do Amaral.
Tem uma obra vasta e multifacetada: pintura, sobretudo retratos; publicidade; tentativas de renovação da talha em madeira para móveis e desenho de móveis; decoração de interiores; cartões para tapeçarias (Hotel Estoril Sol, TAP de Nova Iorque, Copenhaga, Madrid, Casino Estoril, etc.); pinturas murais a fresco; cenários e figurinos para bailados; selos; azulejos (Metropolitano de Lisboa, Av. Infante Santo, TAP de Paris e Nova Iorque, União Eléctrica Portuguesa, Casino de Vilamoura, Aeroporto de Luanda, etc.); e ilustração.
Neste campo tem ilustrado numerosas obras, nomeadamente livros para crianças: A noite de Natal, de Sophia de Mello Breyner Andresen; O cantar da Tila, As botas de meu pai, O cavaleiro sem espada, História de um rapaz, Joana Ana, O palhaço verde e Segredos e brinquedos, todos de Matilde Rosa Araújo; Histórias da minha casa, Histórias da minha rua e Histórias de pretos e brancos, de Maria Cecília Correia; O livro de Marianinha, de Aquilino Ribeiro; A Primavera é o tempo a crescer, O Outono é o tempo a envelhecer, O Verão é o tempo grande, O Inverno é o tempo já velho, de Maria Isabel César Anjo; A abelha Zulmira, de Teresa Balté; O lago dos cisnes e A banhoca da baleia, de Alexandre Honrado; Lote 12 2.º frente, de Alice Vieira; e Do lado de cá das fadas, de Graça Vilhena.
Ilustrou outras obras entre elas: Começa uma vida, de Irene Lisboa; Páscoa feliz, de José Rodrigues Miguéis; Ode (quase) marítima, de Augusto Abelaira; Retta ou os ciúmes da morte, de Ilse Losa; Folhas caídas, de Almeida Garrett; Contos tradicionais portugueses; O livro das mil e uma noites; Romanceiro geral do povo português; Metade comédia metade drama, de Francisco Keil do Amaral. Fez desenhos para as colectâneas sobre Bernardim Ribeiro, Castro Alves, Olavo Bilac e Tomás António Gonzaga, integradas na colecção As mais belas poesias da língua portuguesa.
Escreveu e ilustrou três livros para crianças e dois para adultos: O pau-de-fileira, Os presentes e As três maçãs; Árvores de domingo e Anjos do mal.
Fez também ilustrações para revistas, nomeadamente Panorama, Seara Nova, Vértice, Ver e crer e Eva.
As suas obras têm sido vistas em exposições, individuais e colectivas.
Interessante vídeo actual sobre Maria Keil (Público)
Etiquetas: Artistas, Ceramica, Desenho, Pintura
8.5.08
Qual é a sua flor?
1.4.08
Oscar Niemeyer - o arquitecto fez 100 Anos
"De um traço nasce a arquitetura. E quando ele é bonito e cria surpresa, ela pode
atingir, sendo bem conduzida, o nível superior de uma obra de arte."
"É claro que esse momento de inspiração surge somente quando uma idéia se impõe como raiz de uma solução procurada. Teve-o Le Corbusier quando criou o grande arco no projeto Centrosoyus de Moscou; Picasso, desenhando os croquis de Guernica; Einstein, a teoria da relatividade e Manuel Bandeira ao terminar de forma tão bonita seu verso sobre a morte - "Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, a mesa posta, com cada coisa no seu lugar."
"Quando uma forma cria beleza tem na beleza sua própria justificativa."
"A monumentalidade nunca me atemoriza quando um tema mais forte a justifica. Afinal, o que ficou da arquitetura foram as obras monumentais, as que marcam o tempo e a evolução da técnica. As que, justas ou não sob o ponto de vista social, ainda nos comovem. É a beleza a se impor na sensibilidade do homem."
"Na Arquitetura debrucei-me por toda a vida. Foi o meu hobby, uma das minhas alegrias, procurar a forma nova e criadora que o concreto armado sugere. Descobri-la, multiplicá-la, inseri-la na técnica mais avançada, criar o espetáculo arquitetural."
"(...) estou convencido que um arquiteto não deve se limitar à aprendizagem de seu métier. Ele deve ter uma cultura geral, ler os clássicos, os escritores contemporâneos, para melhor compreender seu ambiente cultural. (...) eu sempre pensei que um arquiteto de talento deve saber desenhar e escrever. Ele não poderá fazer nada de grande ou de belo se não possuir essas duas qualidades. A terceira é a imagem; logo, a negação de regras."
"Sempre acrescentei nas minhas palestras que não dava à arquitetura maior importância e não havia nada de desprezível nessas palavras. Comparava-a a outras coisas ligadas à vida e ao homem, referia-me à luta política, à colaboração que todos nós devemos à sociedade, aos nossos irmãos mais desfavoráveis. O que se compara à luta por um mundo melhor, sem classes, todos iguais ?
"Nunca me calei. Nunca escondi minha posição de comunista. Os mais compreensíveis que me convocam como arquiteto sabem da minha posição ideológica. Pensam que sou um equivocado e eu penso a mesma coisa deles. Não permito que ideologia nenhuma interfira em minhas amizades."
"Jamais fui hostil a movimentos de protesto, inclusive dos países socialistas. É necessário protestar contra a miséria, as injustiças, as desigualdades. Toda palavra dita com coragem no movimento só pode merecer minha estima."
"Sempre discordei de meus bravos camaradas quando repetiam que devíamos ser otimistas, que nada adianta querer constatar o drama da existência, que o importante não é a morte, mas a perpetuação da espécie. Sempre lhes respondi que nossos filhos, netos e todas as gerações seguintes terão as mesmas inquietudes sobre o universo, o futuro do homem, a morte. Eles conhecerão como nós os momentos de angustia."
"(...) gosto do meu país; das suas grandezas e misérias; do Rio, das suas praias e montanhas; dos cariocas, tranqüilos e desinibidos, como se a vida fosse justa e eles a desfrutavam sem discriminação. Como gosto deste país imenso! Do Norte ao Sul. Dos mais abandonados a fugirem da seca, sem casa nem comida, marcados pelo desespero; dos meus irmãos favelados, a ocuparem os morros com suas revoltas. Como tento desculpá-los quando a vida os transforma e a justiça dos homens os cerca implacável."
"Quando um arquiteto projeta um edifício e olha seus desenhos na prancheta, ele vê a planta projetada como obra já construída. Em transe, se o projeto o apaixona, ele nela penetra curioso, a examinar formas e espaços livres, a considerar os locais onde pensou um painel mural, uma escultura ou simplesmente um desenho em preto e branco. (...) é o ato da criação, a integração tão procurada das artes plásticas com a arquitetura.""
"(...) não sou tão ingênuo para seguir os que dão aos que fazem importância extraordinária e se julgam predestinados, prontos a entrar na história. Sou realista e sei muito bem como as coisas são precárias e ilusórias diante do tempo que tudo vai diluir e esquecer."
Dedico esta pequena homenagem a Oscar Niemeyer e também ao meu irmão António, "que nasceu para a arquitectura" e a ela se tem dedicado com enorme sensibilidade e profissionalismo.
Etiquetas: Arquitectura, Homenagem, Ideias
11.3.08
Homenagem ao pintor e ceramista Rogério Ribeiro
Pormenor do painel de cerâmica no Metro de Santiago do Chile
Morreu hoje o pintor Rogério Ribeiro. Era director da Casa da Cerca - Centro de Arte Contemporânea de Almada, um projecto que desenvolvera para a câmara local e que tem acolhido, desde a sua abertura em 1993, exposições de boa parte dos melhores artistas contemporâneos portugueses.
Nascido em Extremoz em 1930, foi professor na Escola António Arroio e, depois, na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Entre as suas obras mais conhecidas do grande público contam-se as ilustrações que fez para a edição de grande formato do romance de Manuel Tiago/Álvaro Cunhal "Até Amanhã Camaradas".
Fonte:Público
Ilustrou livros de Namora, Redol, Manuel Alegre, e do camarada dele Manuel Tiago. Ilustrou mesmo quando não lhe pediam, só porque sim, só porque a história que eles contavam era também a dele, só porque o risco era inadiável. Viajou, com e sem bolsas de viagens. Foi, também por isso, por causa desse desejo de mundo inteiro, perseguido pela Pide.
Assinou os painéis cerâmicos para a estação de comboios de Sete Rios e para a estação de metro Avenida, em Lisboa, e também aquele para a estação de metro de Santa Lucia, em Santiago do Chile. Participou activamente na criação de museus e galerias de arte. Está representado nas colecções de vários museus nacionais e internacionais, e naquelas de inúmeras instituições e outras tantas colecções particulares.
Membro fundador do Movimento Democrático dos Artistas Plásticos (1974), andou anos a pensar sobre a função social dos artistas. E sobre a geografia da arte contemporânea. E sobre a arte pública. E sobre o ensino artístico. E sobre tudo isso andou pelo país e pelo mundo a falar. E foi professor. E gosta quase tanto de Literatura como de Pintura.
Este texto foi retirado do blogue Espuma dos Dias, no qual aconselho leitura de entrevista a Rogério Ribeiro
Etiquetas: Autores e Biografias
28.1.08
Manifesto de Professores
Os professores estão a atravessar o momento mais negro da sua vida profissional desde o 25 de Abril. Com um pacote legislativo concebido em sucessivas fases, começando pelo novo Estatuto da Carreira Docente e culminando com o novo modelo de gestão escolar, passando pelo Decreto Regulamentar da avaliação de desempenho, a actual equipa do Ministério da Educação desferiu um golpe profundo na imagem social dos professores, na sua identidade enquanto grupo profissional e nas condições materiais e simbólicas necessárias para que os mesmos se empenhem na qualidade do ensino. A um sentimento de enorme frustração soma-se hoje a insegurança quanto ao futuro profissional, uma insegurança decorrente de todos os mecanismos de fragilização da carreira e de instabilidade de emprego que o governo actual tem vindo a introduzir.
Torna-se agora cada vez mais evidente que os professores deste país foram as cobaias de um ataque aos direitos laborais, segundo uma receita de efeitos garantidos: uma campanha inicial de difamação orquestrada com a cumplicidade de uma comunicação social subserviente, que visou justificar, no plano retórico e propagandístico, a redução sistemática de direitos no plano jurídico. Hoje é também óbvio que este programa teve como objectivo essencial a quebra do estatuto salarial dos professores, que passaram a trabalhar mais pelo mesmo dinheiro, que viram a progressão na carreira arbitrariamente interrompida, e que foram, desse modo, uma das principais fontes drenadas pelo governo para satisfazer a sua obsessão de combate ao défice.
Hostilizados por uma opinião pública intoxicada e impreparada para reconhecer aos docentes a relevância da sua profissão, desprovidos dos meios legais e materiais que lhes permitiriam dignificar o seu trabalho, é com fatalismo, entremeado por uma revolta surda, que os professores deste país encaram hoje o futuro mais próximo. Muitos consideram o Estatuto da Carreira Docente como um facto consumado, procurando adaptar-se-lhe o melhor possível. No entanto, as piores consequências desse Estatuto só agora começarão a revelar-se, e há sinais de que a ofensiva do governo contra os professores e contra a escola pública não chegou ainda ao fim:
Este ano vai ter início o processo de avaliação do desempenho, pautado pela burocratização extrema, por critérios arbitrários e insuficientemente justificados que poderão abrir a porta para acentuar o clima de divisão e a quebra de solidariedade entre os professores, para «ajustes de contas» adiados, para a perseguição aos profissionais que se desviem da ideologia pedagógica dominante, para a subordinação dos resultados dos alunos à demagogia ministerial do sucesso escolar compulsivo.
O governo prepara-se para aprovar, sem discussão pública que mereça esse nome, um novo modelo de gestão escolar que se traduz pela redução ainda maior da democracia nos estabelecimentos de ensino, já antecipada ao nível do Estatuto da Carreira Docente, pela diminuição drástica da influência dos professores, atirados para uma posição subalterna nos órgãos directivos, pela sua subordinação a instâncias externas, muitas vezes movidas por interesses opostos ao rigor e à exigência do processo educativo.
Finalmente, o governo tem também a intenção de suprimir as nomeações definitivas para a grande maioria dos funcionários públicos, iniciativa que terá particular incidência numa classe docente cuja garantia de emprego já está, em muitos casos, consideravelmente ameaçada.
Tudo isto deveria impor, desde já, a mobilização dos professores e o abandono de uma postura de resignação. Não há processos legislativos irreversíveis. Por outro lado, não podemos esperar por uma simples mudança de ciclo eleitoral ou de legislatura para que o ataque à nossa condição profissional seja invertido. Ninguém, a não sermos nós, poderá lutar pelos nossos direitos.
Por tudo isto, e para contrariar a atitude cabisbaixa que impera entre a classe docente, consideramos importante lançar um conjunto de iniciativas, algumas delas faseadas, outras que poderão ser desenvolvidas em paralelo. Assim, propomos:
- apoiar o movimento, que começa a surgir na blogosfera dedicada à nossa profissão, no sentido de se alargar o prazo de discussão do novo modelo de gestão escolar, e organizar nas escolas espaços de debate desse projecto-lei, tendo o cuidado de o situar no quadro mais geral dos constrangimentos legislativos a que hoje se encontra sujeita a nossa actividade profissional;
- promover, nas diferentes escolas e nos agrupamentos de escolas, a discussão sobre as condições de aplicação do Decreto que regulamenta a avaliação de desempenho dos professores, tendo em conta a necessidade de se fixar critérios mínimos de rigor e de justiça nessa avaliação, e considerando que, se a avaliação dos alunos tem sido objecto de muita elucubração teórica, as escolas se preparam para avaliar os docentes sem ponderarem devidamente as dificuldades científicas e deontológicas que semelhante processo suscita;
- encetar um processo de contestação do Estatuto da Carreira Docente nos tribunais portugueses e nas instâncias judiciais europeias, considerando que esse diploma atinge direitos que não são simplesmente corporativos, mas que constituem a base mínima da dignificação de qualquer actividade profissional.
- pressionar os sindicatos para que estes retomem os canais de comunicação com os professores e efectuem um trabalho de proximidade junto destes, o qual passa pela deslocação regular dos seus representantes às escolas a fim de auscultar directamente os professores e de discutir com eles as iniciativas a desenvolver;
- contactar jornalistas e opinion-makers que, em diferentes órgãos de comunicação, tenham mostrado compreensão pelas razões do descontentamento dos professores e apreensão perante o rumo do sistema de ensino em Portugal, no intuito de os incentivar a prosseguirem com a linha crítica das suas intervenções e de lhes fornecer informação sobre o que se passa nas escolas;
- propor políticas educativas que se possam constituir em defesa de uma escola pública de qualidade, que não seja encarada como simples depósito de crianças e de adolescentes e como fábrica de «sucesso escolar» estatístico, políticas capazes de fornecer alternativas para as orientações globais do Ministério da Educação e para as reformas mais gravosas que o mesmo introduziu na nossa profissão.
Se concordas com o MANIFESTO divulga-o o mais possível.
Para mais informações usa o seguinte e-mail profsemluta@hotmail.com
Etiquetas: Agenda 21, Manifesto, Professores